Lúbrica
Poema de Camilo Pessanha
Camilo Pessanha |
Arrastando com ar de antiga fada,
Pela rama da murta despontada,
A saia transparente de alva seda,
E medito no gozo que promete
A sua boca fresca, pequenina,
E o seio mergulhado em renda
fina,
Sob a curva ligeira do corpete;
Pela mente me passa em nuvem
densa
Um tropel infinito de desejos:
Quero, às vezes, sorvê-la, em
grandes beijos,
Da luxúria febril na chama
intensa...
Desejo, num transporte de
gigante,
Estreitá-la de rijo entre meus
braços,
Até quase esmagar nesses abraços
A sua carne branca e palpitante;
Como, da Ásia nos bosques
tropicais
Apertam, em espiral auriluzente,
Os músculos hercúleos da
serpente,
Aos troncos das palmeiras
colossais.
Mas, depois, quando o peso do
cansaço
A sepulta na morna letargia,
Dormitando, repousa, todo o dia,
À sombra da palmeira, o corpo
lasso.
No delírio da gula todo absorto,
Me prostasse, embriagado,
semimorto,
O vapor do prazer em sono brando;
Entrever, sobre fundo esvaecido,
Dos fantasmas da febre o incerto
mar,
Mas sempre sob o azul do seu
olhar,
Aspirando o frescor do seu
vestido,
Como os ébrios chineses,
delirantes,
Respiram, a dormir, o fumo
quieto,
Que o seu longo cachimbo
predileto
No ambiente espalhava pouco
antes...
Se me lembra, porém, que essa
doçura,
Efeito da inocência em que anda
envolta,
Me foge, como um sonho, ou nuvem
solta,
Ao ferir-lhe um só beijo a face
pura;
Que há de dissipar-se no momento
Em que eu tentar correr para
abraçá-la,
Miragem inconstante, que resvala
No horizonte do louco pensamento;
Quero admirá-la, então,
tranqüilamente,
Em feliz apatia, de olhos fitos,
Como admiro o matiz dos
passaritos,
Temendo que o ruído os afugente;
Para assim conservar-lhe a graça
imensa,
E ver outros mordidos por desejos
De sorver sua carne, em grandes
beijos,
Da luxúria febril na chama
intensa...
Mas não posso contar: nada há que
exceda
A nuvem de desejos que me esmaga,
Quando a vejo, da tarde à sombra
vaga,
Passeando sozinha na alameda...
Camilo Pessanha, in 'Clepsidra'
Camilo Pessanha, in 'Clepsidra'
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