PARA ONDE VAI O AMOR
Decerto que quase toda gente se perguntou para onde vai o amor depois de se deixar de amar. E que todos/todas bem ou mal saímos com algumas hipóteses como estas: pode se transformar em amizade; em ódio; em indiferença, ou seja, ninguém se sabe bem em quê. Uma coisa é certa é que esta transformação, evolução, é para todos, que sejamos heterossexuais, homossexuais, mulheres, homens... não existe diferenças quando se trata de amor.
E quanto à paixão será que se pode transformar em amor e o amor em amizade? Vou tentar do alto do meu metro e mais um pouco de meio, desvendar este mistério.
Para isso, vou usar uma história meia verídica, com algumas alterações, para não haver uma ligação muito forte com a realidade, apesar da realidade ultrapassar muitas vezes a ficção. Vou aproveitar para relatar um episódio que me foi partilhado por uma amiga que por um mero acaso é lésbica, e tentar através da sua visão, da sua experiência, encontrar respostas, para ela e para quem está interessado em resolver esta estranha equação.
Está um pouco mudado mas soou mais ou menos assim...
"Ela telefonou-me há dias, muito agitada e aflita. Depois dos primeiros minutos, em que gritamos de alegria depois de atender, ela pediu-me para a ouvir sem tecer nenhum comentário, e se não conseguisse estar sem reagir que pelo menos tentasse. Aceitei sem demora, percebi que ela estava desesperada e que não sabia como reagir ao que lhe tinha acontecido.
Ela começou assim: -"Hoje vivi um dos episódio mais caricatos da minha vida, um episódio chato e triste ao mesmo tempo. Como sei que tu és uma idealista, uma romântica em relação ao amor, lembrei-me de ti para confidenciar este momento menos feliz da minha vida. Também sei que passaste por algo de semelhante, que o amor é um mistério para ti, e que como toda gente, procuras saber para onde vai o amor depois de amar, telefonei te logo, quase, instantaneamente.
Depois de um pequeno tempo de silencio ela perguntou-me: -"Lembras de te contar que há uns anos, bem longos me apaixonei, lembras-te?"
- "Sim lembro-me" - respondi
- "É que ela foi outra vez muito dura comigo!" lançou com uma voz muito comprometida.
- "Sim? O que foi que aconteceu?" - retorqui - "O que fizeste?"
Não estava nos meus planos julgá-la de forma alguma, mas como a conheço e sei que ela é muito ingénua, percebi que ela tinha feito alguma coisa de errado e que isso a levaria a ter uma resposta amarga.
- "Vou te contar então- continuou - porque ainda estou um pouco "abananada".
Como sabes apaixonei-me por aquela miúda do trabalho, sem saber bem o porquê? Não lhe falava, apenas me cruzava com ela, não era minha amiga e de um dia para o outro apaixonei-me por ela. Gosto de dizer que acordei um dia e estava apaixonada! Como perceber isso, compreender esta paixão que foi de tão súbita, como inexplicável. Mas ela doía, corroía-me no meu interior de uma forma muito forte.
O amor pode ser físico e pode fazer mal, ou bem, e tanto mal que é injusto. Eu sei que ela não era livre, que ela não é livre, que é casada e tem filhos, mas como explicar isso ao meu coração e ao meu corpo? Essa paixão súbita, como uma ataque súbito era difícil de lidar. Sofria...escondia-me...não comia, não existia e não respirava, via a sua imagem por toda a parte.
O carro era o lugar em que ela me aparecia mais vezes, era a passageira imaginária no caminho para o trabalho. Obsessão, diriam alguns, amor diriam outros, loucura outros e eu sem saber explicar e sem saber como lidar com isso. Foi de tal forma importante, ou não, que durante seis meses tentei esconder, só vivia para a projeção que me fazia dela e sofria.
Tu sabes que essas coisas não me acontecem a mim, não me aconteciam. Que sou uma pessoa muito controladora, que não sou de dar o primeiro passo, a não ser que... depois de algum tempo, descubra que é isso que eu quero para mim e aí sim! Avanço!
Também sabes que não sou de uma noite só, porque sou muito complexa e controlada do lado dos sentimentos, portanto, essa perda de controlo começou a me incomodar-me e decidi abordá-la com coragem.
Sei que não te tinha contado, pensava que não era importante. Percebo agora que fui parva. Convidei-a para ir beber um café e ela aceitou. No céu travejava um fogo de artificio e em mim corriam espasmos de felicidade. Depois de alguns encontros, e vários espasmos de felicidade, estava disposta a aceitar uma amizade em troca, uma transformação, uma evolução normal desse amor, que se via incontrolado.
Não te nego que pensei no sabor do seu beijo, que pensei e imaginei as cenas mais sensuais que de divinas moldariam-se perfeitamente à nossa realidade terrena... não sou de ferro! E por fim (e foi o meu fim) pensei que o caminho era dizer-lhe e explicar-lhe o que sentia e que ela iria entender, e que a amizade era o único caminho. Sim, era na altura a única saída possível deste meu imbróglio. Ora tudo saiu ao contrario!
No momento em que lhe fiz a minha confidencia, a confidencia mais importante de todas, já haveria quem lhe dissesse que eu podia estar interessada nela. Que o meu, nosso segredo já não era só nosso, era da maledicência, aquela que se sobrepõe à inteligência.
Fiquei devastada!
Chateada comigo mas feliz de lhe ter dito.
O que veio depois foi provavelmente a coisa mais surreal que eu passei e a mais terrível também. Deixou de me falar!
Durante estes tempos, os murros deixaram de me segurar e cai num vértice de vergonha e de dor. Estava acabada. O silêncio é e era demoníaco, não podia contar à ninguém, e ela não aceitava nada de mim.
O que me incomodou mais, não foi o facto de ela ter reagido mal, foi sobretudo, eu ter-me dado a conhecer a alguém que eu queria guardar para mim. O facto de eu querer justificar o meu interesse, este tempo perdido a olhar para o horizonte com as suas sobrancelhas como nuvens e a sua boca como mar, e de não querer perder este peso, este amor por nada deste mundo, porque ela, ela, já tinha perdido.
Um mês depois, cruzou-se comigo e eu apanhei o seu sorriso como uma migalha o que ela atirou para mim. Podia ter morrido por ela!
Anos passaram e graças a Deus ou ao tempo que as coisas desvaneceram-se, mas onde ficou esse amor?
Lembro-me de um amigo me dizer que quando se gosta de alguém gosta-se sempre. E isso é mau?
A amizade não é uma forma de amor? E não é a melhor forma de amar?
Depois desses anos, e de tudo ser apenas uma má recordação falei-lhe de alguns projetos que estava a desenvolver. Ela é um pouco como uma protetora disfarçada, uma apoiante de longe, e de perto muitas vezes. E nesse percurso novo, nesse novo alento falei-lhe em tomar um café...e ela reagiu da mesma forma que há uns anos atrás. E é isso que não entendo. Fiz-mal? Aparentemente sim! Foi mais um dos meus atrevimentos. Ela teve medo que eu continuasse interessada numa investida, de notar que nunca fiz nenhuma. Medo de quê? Que eu ainda estivesse apaixonada? Será que é verdade que quando se ama, ama-se para sempre?
Não percebo e deixei de querer fazê-lo. Procuramos no outro o reflexo de nós e quando não o encontramos dececionamos-nos? Não sei estou perplexa? Não vou lutar mais, não tinha intenção, foi-me negado de novo e não me posso fazer mais sofrer e fiquei por ali.
Estou fora e que Cupido se "foda!""
Depois de todo este relato algumas perguntas se colocam. É evidente que todos temos as nossas fraquezas e se um dia algo acontecer de semelhante pode-se pensar duas vezes antes de agir ou não agir. Será que este relato nos leva a algum lado? Sim? Não? Tenho quase a certeza que quando se ama, ama-se para sempre e que disfarçamos o amor em algo que os outros "aceitam". Ela não foi e não é compreendida e muito menos correspondida, mas, como ela diz e bem:-" se ela despertou esse lado em mim e se foi importante e "god knows" como ela foi importante então valeu a pena." Só por isso, só pelo facto de ter partilhado momentos com a minha amiga - ela podia não o ter feito - e se o fez, mesmo com o sofrimento, nada se compara ao bem que lhe proporcionou.
E se ninguém tivesse dito nada?
Ela é e será sempre alguém de importante na vida dela. Não se deve guardar rancor e muito menos obrigar quem quer que seja a ser ou a fazer o que não quer. Mas pode-se continuar a amar em segredo.
Pode ela se sentir culpada? Poderão as próximas relações serem o espelho deste visível fracasso. Óbvio que nunca mais será a mesma coisa. Se ninguém se tivesse intrometido, se calhar hoje poderiam ser amigas? Não sei se vai encontrar respostas e ainda bem que virou a página. As deceções virão sempre do lado onde o olhar julga. Não se pode morrer de amor. Sabia de antemão que não iria resultar. Mesmo assim tentou! Fez bem? Fez mal? Fez o que sentia ser o mais certo. Conhecendo-a sei que foi muito duro para ela sair da casca.
Audrey Love 2018 (ASC)
Ela Chamava-se N
Venci o concurso com esta história. Os links estão no fim da mensagem
Já lá vão muitos anos, mas não há dia nenhum em que não me lembro dela...
Ela Chamava-se N
"Abracei-a anos atrás e ela ficou em mim.
Nesse dia chovia, estávamos em novembro. Lembro-me bem porque era o dia de aniversário do meu pai. Por muito que eu tentasse evitar a atracão e a curiosidade, não havia como ficar em casa, era mais forte do que eu, algo chamava-me de forma tão incontrolada que dei um beijo ao meu pai e saí, a festa ficava para depois, pelo menos para mim. Este chamamento era de tal forma inebriante que me fazia lembrar o canto das sereias na viagem de Ulisses: intenso e perigoso. Estava desamparada, mas só me apetecia estar com ela. A pele dela reluzia como se o sol pertencesse à noite.
Entrei no carro com uma prenda, não a do meu pai não, a prenda que lhe tinha comprado às escondidas de todos. Sabia que ela estava à espera de mim, via-o nos seus olhos que apareciam na minha memória. O que poderia ela querer? Não podia ir de mãos a abanar. Tal mulher é algo que se tem e que se quer ter. Entrei na noite em direção à casa dos seus pais. Eles não estavam e eu, sem rei nem roque voava como o pássaro da noite. Se o vento fosse forte o suficiente levava -me de tão vazia que eu estava. Corpo frágil, esquecido.
Entrei no carro com uma prenda, não a do meu pai não, a prenda que lhe tinha comprado às escondidas de todos. Sabia que ela estava à espera de mim, via-o nos seus olhos que apareciam na minha memória. O que poderia ela querer? Não podia ir de mãos a abanar. Tal mulher é algo que se tem e que se quer ter. Entrei na noite em direção à casa dos seus pais. Eles não estavam e eu, sem rei nem roque voava como o pássaro da noite. Se o vento fosse forte o suficiente levava -me de tão vazia que eu estava. Corpo frágil, esquecido.
Cheguei tarde e ela estava expectante, deslumbrante como sempre. Não sabia como a encarar, tudo fazia sentido e nada fazia sentido. Aproximei-me e dei-lhe um beijo na face, não me tinha apercebido da penumbra desenhada nos recantos da casa. Do nada ela agarra-me e abraça-me com uma força que quase me estrangulava, sussurrando-me ao ouvido - "Este abraço é o abraço que faz mais sentido na minha vida!”.
Se ela soubesse que esse abraço me fazia morrer um pouco e desejar morrer nos seus braços para sempre. Morte? Não a total claro, aquela que nos dá vida só de sentir a pele contra a nossa pele. Senti-a como nunca tinha sentido alguém, congelei, queimei, transformei-me em cinzas, Fénix e renasci com o beijo que ela posou na minha boca ofegante e oferecida. Não houve tempo que passasse e passou sobre este momento de pura magia. Até hoje me lembro. É a chama que aquece a minha vida. Amei-a, ainda a amo. Já lá vão 10 anos."
Audrey Love 2016 (ASC)
“From north with love!"
E se tudo se resumisse a um momento.
Ao momento em que se deixa de ter olhos para nós.
Não era o fim do mundo era apenas o começo.
O começo de uma história que gloriosamente podia crescer entre as estrelas.
As estrelas que brilham no mais profundo buraco da galáxia e que se veem refletidas em nós pela eternidade.
Não estava à espera de fechar a cortina do quotidiano.
Vieste-me preencher de flores, de ventos cheios de poesias e de chocolate.
Adoro-te.
As viagens de Guliver são poucas para te sentir no cume do meu coração.
Estás bem dentro do meu corpo, como as abelhas nas entranhas das colmeias.
Amo-te!
Quero dizer...podia amar-te.
Rápidas melhoras para os engenhos que não descolam.
Para as garrafas que jazem vazias pelo chão.
Mata-o vício.
Mata!
Mata-te!
Morre um pouco e revive comigo!
Morre um pouco e revive comigo!
Nas minhas mãos, nas minhas unhas, desfeitas de tanto raspar as paredes invertidas.
Resolve o teu caco e renasce em mim.
Não tenho luas para dar, tenho um mar, um mar de sal.
Veste-te de todos os disfarces do mundo e sai!
Sai da minha barriga, já não tenho a fome que outrora me deste.
Tenho um grito, agora, como o tigre selvagem.
Abraça-te a mim, mais uma vez.
Os espelhos estão distorcidos e as peles desmanteladas.
Frias de tanto estarem ao sol.
Derrete-me de novo… infinitamente...ou gela...
(Escrevi isto em dois minutos. Não quero, nem vou alterar uma palavra. Elas simplesmente apareceram e ficou assim... Audrey Love - 2016) (ASC)
A Garrafa do Mar
Uma garrafa jaz na areia
Dentro
Uma mensagem em verde:
- “Não partir!
Enche da tua vida e partilha
Guarda…
O que quiseres.”
(Audrey Love 2016) (ASC)
A Melhor Amiga!
O que se diz por aí é que uma em cada dez pessoas é homossexual. O que me leva, automaticamente a perguntar: - “onde está esse milhão de pessoas em Portugal?”
Imagino a cara dos que fazem a apologia do orgulho - do sair do armário - para beneficiar a luta que intentam há muito anos pela liberdade, pela igualdade, com as veias de fora de tanto gritar, um pouco à imagem de uns treinadores:
- "A união faz a força! Saiam para melhorar as vossas, as nossas vidas!"
- "A união faz a força! Saiam para melhorar as vossas, as nossas vidas!"
Existe sim, muitos "gays" e lésbicas, que preferem viver às escondidas. Nunca lhes foi mostrado que a vida seria melhor quando assumida e vivida de forma honesta e verdadeira. Mesmo assim, seria melhor para a comunidade homossexual haver mais pessoas fora do armário, porque o combate deve de começar de dentro.
Uma das possíveis respostas sobre a razão da invisibilidade de algumas pessoas vem do peso que essa homossexualidade pode incutir nas suas vidas, devido ao hábito de uma cultura enraizada baseada na homofobia em Portugal, que mesmo se não é tão prenunciada hoje, ainda vigora, às claras, em alguns lugares. É mais fácil denegrir, dizer mal, (dizem que é a natureza humana), que assumir a simpatia que se têm pela causa - pelo esse amigo que é, pela essa amiga que é, mas, com quem se goza, um pouco, de vez em quando, por detrás das costas, sempre nas costas. Por isso, muitos homossexuais decidem sê-lo entre as suas próprias paredes tornando a sua vida social uma mentira, mas também, um escudo para as intromissões mais desagradáveis.
Mas a vida é mesmo assim, ela é feita de lutas e por isso deve-se encontrar uma forma de contornar essa invisibilidade que tanto pesa e procurar o caminho certo para a aligeirar. Se consigo dar uma luz com esses meus contos bizarros, então estarei feliz.
Mas a vida é mesmo assim, ela é feita de lutas e por isso deve-se encontrar uma forma de contornar essa invisibilidade que tanto pesa e procurar o caminho certo para a aligeirar. Se consigo dar uma luz com esses meus contos bizarros, então estarei feliz.
" Que a força esteja convosco!" - (A Guerra das Estrelas)
Longe está a minha vontade de explicar o inexplicável, mas vou tentar dar um pequeno contributo às minhas reflexões através das minhas vivências e experiências. Vou inventar histórias, contos baseados em episódios que me foram relatados, vividos e como é óbvio alterados, porque os contos são assim, mesmo se, a essência vai ficar para se perceber a finalidade.
Vou usar o título mais emblemático dos livros de Milan Kundera e vou mudá-lo um pouco porque penso que fará, muito mais sentido assim.
A Insustentável Leveza do Ser (imagem do filme)
A Insustentável Leveza da Invisibilidade.
"A Melhor Amiga"
Estou há algum tempo numa relação com uma mulher e estou feliz e realizada com ela.
Estou há algum tempo numa relação com uma mulher e estou feliz e realizada com ela.
A verdade é, que nem sempre fui lésbica. Tive muitos namorados durante o período da minha adolescência e quase me casava com um deles - com o que tinha tudo ao seu favor. Tivemos juntos durante uns anos, até que, deixei este homem perfeito e meu namorado e mudei totalmente a minha vida.
- Serei mais bissexual que lésbica? Não! Aos poucos percebi que a minha felicidade não era com um homem porque foi com uma mulher que a encontrei. O meu projeto de vida, ter casa, casar, ter filhos envolve mais a doçura feminina, do que a masculina. Sou de facto lésbica e pronto! Não é algo fácil de aceitar e de viver. Pensei muitas vezes como iria ser a partir da minha aceitação? Como iria dizer aos meus pais? E no meu trabalho? Iria poder falar sobre isso?
Muitas perguntas para o simples facto de amar.
Antes de ser minha amante, ela era uma conhecida no meio onde me encontrava. Saíamos em grupo, com amigos comuns e, depois de alguns meses, sem saber como nem porquê, algo dentro de mim mudou. Sentia um fervente calor no meu coração quando olhava para ela, de tal forma que quase perdia os sentidos. Lutei contra esse sentimento, queimava de vergonha e tremia de medo de a encarar. Depois de algum tempo, sem conseguir explicar este tormento decidi agarrar o touro pelos cornos e dizer-lhe o que eu sentia. Foi uma das mais difíceis decisões que alguma vez tomei, mas, não tinha outra opção: dizia-lhe e apanhava uma valente bofetada na cara ou dizia-lhe e ela aceitava bem - afastando-se. Era o que eu estava à espera, mas ao menos eu ficaria sem este peso na minha consciência. A única coisa que eu não estava à espera era que esse sentimento fosse recíproco, e quando lhe disse que precisava de falar com ela, ela agarrou a minha mão e disse:
- “Eu também!”
Abraçou-me fortemente, sussurrando-me ao meu ouvido:
- "Este abraço é o abraço que faz mais sentido na minha vida!"
Tudo mudou! Os nossos encontros às escondidas quando saíamos com os amigos comuns, os beijos furtivos debaixo das escadas, os risos partilhados das parvoíces que se inventava para estar, nem que fosse por uns segundos, juntas. Os momentos agonizantes do vazio que se sentia quando não estávamos perto, a procura incessante do olhar da outra como ar que se respira, os nossos corpos preenchidos de nós até se consumirem, a embriaguez da pele, a embriaguez do orgasmo...
Quem se cruzava no nosso caminho ou era cego ou percebia a empatia e o amor que nos unia. Aos poucos o nosso círculo de amigos mudou, não que o queremos, mas porque se percebe que existe alguns “amigos” que não estão abertos a essas mudanças como os outros - os que são naturalmente intitulados de imprescindíveis e de confidentes. Ah, e as nossas amigas, essas que sabem ouvir sem julgar e no meio dessas, essa amiga especial que se destaca por tudo, porque ela sabe tudo de nós, essa com quem não se consegue encarar a vida sem a ter dentro dela, essa que chamamos de "A melhor amiga!" A única que consegue aceitar essa notícia - a mais importante da nossa vida.
Telefonei-lhe e marcamos um encontro: - “O que fazes na segunda? Preciso de te dizer algo de muito importante! Podes almoçar? Sim? Fixe! Encontramos-nos à uma, nesse tal restaurante!”
Ou noutro qualquer não tinha nenhuma importância.
No dia estava super-nervosa! É minha amiga de longa data e minha colega de trabalho também. As suas ideias são muito liberais. De todos é a que aceita melhor a homossexualidade, pelo menos à minha frente quando se debatia isso com os outros colegas. Era e é minha heroína, por isso, precisava de lhe dizer.
No meio do nosso almoço ela perguntou-me o que eu queria. Eu estremeci e gaguejei um pouco, mas não deixei de dizer, com os meus olhos regalados: - “Amo a Cristina! Amo a Cristina e sou a Cristina! Todo o dia vejo-a em todos os reflexos dos espelhos porque não vejo mais ninguém a não ser ela. Ela é valiosa, podia ser o diamante de um anel, a “Cascata do Niágara”, o Escaravelho, o meu sol e amo-a!
A verdade é que a felicidade é algo de contagiante, mas de egoísta também. Sei que para mim pode significar leveza, mas, para alguns, outros, pode ser um peso - uma picada de ciúme. Alguns amigos não entendem a reviravolta na vida dos outros amigos porque estão completos, feitos dos bocados de outros, nesse caso dos bocados da uma outra.
Ela riu-se às gargalhadas e logo me acalmou: - “Estás feliz é o que conta. Tens a certeza que é isso que queres?”
- “Sim, nunca me senti assim, estou ansiosa para estar com ela, estou apaixonada!”
O almoço passou como um almoço qualquer. Achei estranho o facto de ela não aprofundar mais a questão. Perguntas? Nenhuma! Não foi curiosa. Ela sabia quem era a Cristina porque já a tinha visto algumas vezes comigo e falou da sua beleza que eu já não via de tão bela que ela é.
Os meses passaram depois da minha conversa com a minha amiga Perpetua e tive de lhe pedir um favor porque queria que a minha vida mudasse para melhor. Minha vida que agora era nossa vida a mim e à Cristina.
Convidei-a de novo para almoçar e poucos minutos depois disse-lhe que ia pedir para receberem a Cristina no trabalho porque ela tinha um projeto para a empresa. A cara da minha amiga ficou verde, percebi que ela não estava muito satisfeita com isso. Eu continuei dizendo que a Cristina era uma profissional muito valida e que não precisava de mim para ser competente nas tarefas que ela fazia. Aliás, muitas vezes ela me ajudava a acabar trabalhos em atraso.
Acenou com a cabeça e disse com um tom de perplexidade: - “Cuidado com o que vais dizer para a apresentar, sabes como é, as pessoas não aceitam bem a homossexualidade, ainda te prejudicas por causa dela!”
Dela? A minha namorada? A minha outra metade?
É esse o ambiente que muitas vezes se encontra nos locais de trabalho. Eu imagino como seria com alguém que não me é intimo! A minha amiga, a inteligente, a livre, me fez perceber que, se calhar, o trabalho da Cristina podia ficar de lado porque ela era minha namorada e que se calhar se fosse o trabalho de uma namorada de um dos nossos colegas podia passar à frente do dela. Fez questão de assinalar que eu – agora - também era uma lésbica e que esse nome podia ser um peso para mim, no meu local de trabalho, onde os homens são mais valorizados. Fiquei de rastos. Não estava à espera!
Foi um sapo que engoli, mas não deixei de fazer o que eu queria e entreguei o trabalho da Cristina. Não disse nada sobre nós, as pessoas já a veem como uma amiga íntima há muito tempo. Achei que era secundário. Ela foi aceite, pelo seu mérito, e está a trabalhar comigo desde então.
Algo deve mudar e se a invisibilidade é insustentável, deve-se começar por nós.
Não escondemos a nossa relação, a casa que partilhamos, os peixes que afogamos. Mas estamos juntas e livres, melhores do que nunca. Decidimos ser abertamente nós em tudo o que vivemos, e somos guerreiras na tentativa de mudar as mentes dos mais tacanhos. Vamos sair à rua, gritar, viver na esperança de que algum dia o nosso amor seja apenas visto como o amor de dois seres que amam e que são amados.
Audrey Love 2015(ASC)
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