Durante o confinamento, decidi, finalmente, alugar HBO para ver os documentários e séries que me interessavam. Já era subscritora de Netflix e chegava-me durante a vida que vivia. O documentário sobre Michael Jackson Leaving Nerverland e Chernobyl foram os motivos que me fizeram mergulhar no universo da HBO. Fiquei radiante quando percebi que Killing Eve estava disponível e estranhamente foi a última cena da primeira temporada que me fez querer, muito, ver toda a série, sim, quando vi a parte em que Villanelle é esfaqueada e em que Eve fica arrependida, fiquei muito curiosa.
E tinha muito tempo para ver... Comecei com o primeiro episódio, seguiu-se o segundo, o terceiro e nunca mais parei até chegar ao fim da segunda temporada - a terceira ainda não tinha saído. Para mim foi ouro sobre azul, gosto de ver as séries assim, uns episódios atrás dos outros. Não gosto de ficar à espera para ver o próximo. Por isso, vi a primeira e a segunda em poucos dias. Tive de esperar para ver a terceira e fiquei encantada com o final. Estou expectante com a quarta temporada.
É provavelmente a série que todos precisamos (todas). A primeira temporada é genialmente escrita pela Phoebe Waller Bridge, que ganhou vários prémios pela sua série Fleabag que está no Amazon Prime e que recomendo. A segunda, foi escrita pela Emerald Fennell e a terceira, pela Suzanne Heathcote. Laura Neal, escritora de Sex Education, escreveu dois episódios na terceira temporada e será a escritora principal da quarta temporada. Killing Eve é muito interessante pelo facto de serem mulheres as principais escritoras e que muitos dos episódios são dirigidos por mulheres e que, além disso, as personagens principais também são mulheres - o que dá à série uma nota feminina e feminista que eu adoro.
Vilões, vilãs e psicopatas, já vimos muitos e há extraordinários em filmes e séries como Dexter, Norman Bastes no filme Psico, Jack Torrance em Shining, Alex Forrest em Atração Fatal, divinamente interpretada pela Glenn Close que também incarnou a Cruella De Vil, Catherine Tramell em Instinto Fatal pela Sharon Stone, Derryl Hanna como Elle Driver em Kill Bill ou Lena Headey na terrível, mas tão carismática Cersey Lanister na Guerra dos Tronos. Estas mulheres, vilãs, abriram este conceito da mulher forte e sem escrúpulos, que vive livremente e conseguem fazer o impensável e tirar qualquer pessoa do sério. Algumas destas vilãs são insuportáveis, mas outras, como Villanelle conseguem seduzir-nos, conquistar-nos e apesar de serem perigosas, criam em nós uma vontade de as proteger - o que nos põe numa posição inconfortável, porque adoramos o facto de elas serem totalmente o oposto da nossa personalidade, pelo menos da minha. Não conseguiria fazer nada do que a Villanelle faz, mas ela é tão profissional, tão perfeita que sou capaz de descontrair (o que pode ser perigoso) e torcer por ela e querer que tudo acabe bem, (sobretudo com a Eve). Estranha ligação com esta psicopata... Estes filmes e séries com assassinos e assassinas prepararam-nos para ela com centenas de exemplos - Villanelle é dentro de todos, para mim, uma feliz surpresa.
Verdade seja dita que a atriz que faz de Villanelle - Jodie Comer - é extraordinária! Não há palavras para a descrever, ela faz este papel na perfeição! De tal forma, que a personagem se impôs à atriz durante toda a série e liguei-me mais à Villanelle do que com a pessoa que a interpretava, devido à sublime fusão com ela. Villanelle é arrogante, orgulhosa, pretensiosa, manipuladora, além de ser uma assassina impiedosa, mas, também é ingénua, acriançada e desastrada - o que nos conecta com ela. Jodie Comer teve a sorte de a interpretar, permitiu-lhe uma liberdade de ação que a colocou num patamar muito difícil de superar. Ela é perfeita em toda a primeira temporada - a cena em que ela está na prisão e quer sair é estupenda, sente-se todo o sofrimento que lhe advém da lembrança da sua primeira encarceração motivada por um crime passional. Ela continua em todas as temporadas a ter períodos, verdadeiramente, fora de série - o choro à frente ao espelho na Holanda ou o choro na terceira temporada no comboio. Estes momentos de intimidade profunda retratam uma sensibilidade à flor da pele. Instantes de grande beleza. É evidente, que o seu desempenho é fantástica em toda a série, mas estes, foram os que me tocaram mais. A beleza de Jodie Comer, para os meus padrões de beleza, ligue-nos à Villanelle com deslumbramento, apesar de todas as suas ações.
Jodie Comer ganhou vários prémios de interpretação pela Villanelle, como os BAFTA e EMMY e penso que poderá vir a ganhar muitos mais porque é uma grande atriz.
Eve é a outra personagem principal e é interpretada pela Sandra Ho que todos conhecemos da Anatomia de Grey ou do filme Catfight. Ela também faz um grande papel como Eve, com o qual ganhou um Globo de Ouro. Apesar de ser uma personagem mais perceptível para nós, Sandra Ho consegue momentos de grande intensidade - a cena na primeira temporada com Niko, antes de ir para Moscovo é fantástica! Não compromete em nada as mudanças de Eve, ela transporta-nos dentro da duplicidade e da efervescência subjacente da personagem. A sua química com Jodie Comer parece excelente. A cena à frente do espelho, o beijo...
Eve e uma mulher com uma vida pacata e regrada, um trabalho, um marido, uma casa e uma galinha. Trabalha pelo MI5/MI6 e é obcecada pelas mulheres assassinas. Ela encontra em Villanelle um desafio que a põe à prova, aliás, este interesse vai mudar toda a sua perceção e a sua vida. A relação entre as duas vai crescendo ao longo das temporadas e percebemos que Eve encontra uma forma de se projetar na sua vida como investigadora. Villanelle, gradualmente, ocupa todo o seu espaço e, sem perceber como, gere-se uma conexão de amor/ódio entre as duas. Quem escreveu essa ligação teve muito bem, é como um amor lésbico que dá à trama um percurso de igualdade entre elas. Se Villanelle fosse um homem, ou Eve, difiriria e toda a magia da sedução, dos avanços e recuos não teriam a delicadeza da ambiguidade aquando da construção do elo entre as duas protagonistas.
Todas as personagens são bem escolhidas, e todas elas são peças fundamentais no desenvolvimento da história. Konstantin, por exemplo, o chefe da Villanelle, pertencendo à tão famosa organização dos "The Twelve", que nunca sabemos bem quem são, é fundamental. O seu carisma e humor coaduna-se com o humor de Villanelle. O Ator que encarna Konstantin, Kim Bodnia, o tal "Sexy Man" é formidável. A relação entre os dois varia muito e tem muitos altos e baixos, mas, está sempre ligada a extensa lista de assassinatos de Villanelle, porque é ele que a supervisiona. Uma relação que se assemelha à relação pai/filha que Villanelle não tem e percebemos o porquê no decorrer dos episódios. Ele é o perfeito espião, trabalha pelas organizações todas. A trajetória de Konstantin é muito interessante.
Killing Eve é decididamente feminista. Carolyn, uma personagem maravilhosamente representada pela Fiona Shaw que também ganhou um BAFTA, é o epítome do poder feminino, da liberdade, da leviandade, apesar de ela ter um lugar proeminente na organização na procura incessante dos "The Twelve"". A seu vínculo com Konstantin é formidável, tal como, os muitos homens com quem ela se apaixonou. Há nela um pouco de "Casanova" feminina, o que para nós mulheres é muito bom, porque desconstrói os preconceitos que normalmente são dirigidos às mulheres poderosas, livres e sexuais. O seu humor, sarcasmo são o melhore que se pode testemunhar. Carolyn é uma personagem imprescindível da série. A cena com Geraldine no final da terceira temporada é divinal!
Ao longo da série apareçam personagens que dão um enorme contributo - Bill, Franck, Kenny, Hugo, Niko, Raymond, Helène, Dasha, Geraldine, Irina e outras que se vão a enquadrar nas histórias e dar novos desenvolvimentos aos episódios e temporadas. A própria Villanelle cria vários personagens para conseguir atingir os seus fins, como se ela fosse um camaleão que se serve destas para apanhar e matar as suas presas.
Outra parte bastante interessante é que Villanelle faz parte da comunidade LGBTI. Ela emana um charme muito peculiar e bem trabalhado pela Jodie Comer - na maneira de andar, de olhar, de se aproximar, de tocar, de conquistar. Toda a sua irreverência, liberdade, sexualidade e orgulho são parte integrante da personagem e é tão bom! Ela está na cama com um casal no início, masturba-se a pensar na Eve, percebemos que fez sexo com duas mulheres e se masturba com a Eve a ouvir na segunda temporada, mas, e apesar de tudo isso, ela trata-a com um certo respeito. Ela avança, oferece prendas, mas, nunca é vulgar, (fora a violência que a engloba). Sabemos que ela quer ter algo de mais íntimo, mas, ela espera que Eve esteja pronta para avançar. De notar que quando elas se beijam é a Eve que a beija - existe uma honestidade no relacionamento com ela que ela não tem com as outras personagens. Ela procura, a todo o custo, que a ela não a esqueça. É o seu supremo sofrimento. Sente um amor desmedido, que também a transforma e a faz querer mudar o seu rumo. Durante a série, sentimos que ela cresce e quando acaba a terceira temporada consegue uma paz que ela não tinha nas temporadas anteriores. Estará ela pronta para aceitar de viver uma vida longe dos assassinatos e de todas as peripécias que a fizeram chegar a este ponto? O fim da terceira temporada é uma bela prova de amor que ela dá à Eve. O facto de pedir para se afastar, sabendo de antemão que é impossível, pretendendo dar a liberdade à Eve que não se sente bem em aceitá-la é a cena mais adulta que Villanelle tem com a Eve. Villanelle terá de fazer muitas mudanças, porque Eve mostrou-lhe que está pronta para avançar num futuro em que ela faz parte. É muito belo...
A última cena da terceira temporada:
Villanelle tem um sentido apurado e caro em relação às roupas e à moda, ela pode vestir tudo o que ela quer e ficar estonteante. A mística, a profundeza e a intensidade da personagem são bem aproveitados com o vestuário da série. Há um intento apurado e aproveitado com a beleza natural da Jodie Comer - mesmo de pijama ou vestida de reclusa ela fica deslumbrante! O Cabelo também é usado de forma perfeita. Os/as desanhadores e os/as cabeleireiras/os fizeram um trabalho formidável com ela.
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