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quarta-feira, 1 de julho de 2015

Audrey Love - A Insustentável Leveza da Invisibilidade - A Melhor Amiga - Conto

A Melhor Amiga


O que se diz por aí é que uma em cada dez pessoas é homossexual. O que me leva, automaticamente a perguntar: - “onde está esse milhão de pessoas em Portugal?”

Imagino a cara dos que fazem a apologia do orgulho - do sair do armário - para beneficiar a luta que intentam há muito anos pela liberdade, pela igualdade, com as veias de fora de tanto gritar, um pouco à imagem de uns treinadores: 

- "A união faz a força! Saiam para melhorar as vossas, as nossas vidas!"

Existe sim, muitos "gays" e lésbicas, que preferem viver às escondidas. Nunca lhes foi mostrado que a vida seria melhor quando assumida e vivida de forma honesta e verdadeira. Mesmo assim, seria melhor para a comunidade homossexual haver mais pessoas fora do armário, porque o combate deve de começar de dentro. 

Uma das possíveis respostas sobre a razão da invisibilidade de algumas pessoas vem do peso que essa homossexualidade pode incutir nas suas vidas, devido ao hábito de uma cultura enraizada baseada na homofobia em Portugal, que mesmo se não é tão prenunciada hoje, ainda vigora, às claras, em alguns lugares. É mais fácil denegrir, dizer mal, (dizem que é a natureza humana), que assumir a simpatia que se têm pela causa -  pelo esse amigo que é, pela essa amiga que é, mas, com quem se goza, um pouco, de vez em quando, por detrás das costas, sempre nas costas. Por isso, muitos homossexuais decidem sê-lo entre as suas próprias paredes tornando a sua vida social uma mentira, mas também, um escudo para as intromissões mais desagradáveis.

Mas a vida é mesmo assim, ela é feita de lutas e por isso deve-se encontrar uma forma de contornar essa invisibilidade que tanto pesa e procurar o caminho certo para a aligeirar. Se consigo dar uma luz com esses meus contos bizarros, então estarei feliz.

" Que a força esteja convosco!" - (A Guerra das Estrelas)

Longe está a minha vontade de explicar o inexplicável, mas vou tentar dar um pequeno contributo às minhas reflexões através das minhas vivências e experiências. Vou inventar histórias, contos baseados em episódios que me foram relatados, vividos e como é óbvio alterados, porque os contos são assim, mesmo se, a essência vai ficar para se perceber a finalidade.

Vou usar o título mais emblemático dos livros de Milan Kundera e vou mudá-lo um pouco porque penso que fará, muito mais sentido assim.



A Insustentável Leveza do Ser (imagem do filme)


A Insustentável Leveza da Invisibilidade.

"A Melhor Amiga"

Estou há algum tempo numa relação com uma mulher e estou feliz e realizada com ela.

A verdade é, que nem sempre fui lésbica. Tive muitos namorados durante o período da minha adolescência e quase me casava com um deles - com o que tinha tudo ao seu favor. Tivemos juntos durante uns anos, até que, deixei este homem perfeito e meu namorado e mudei totalmente a minha vida.

 - Serei mais bissexual que lésbica? Não! Aos poucos percebi que a minha felicidade não era com um homem porque foi com uma mulher que a encontrei. O meu projeto de vida, ter casa, casar, ter filhos envolve mais a doçura feminina, do que a masculina. Sou de facto lésbica e pronto! Não é algo fácil de aceitar e de viver. Pensei muitas vezes como iria ser a partir da minha aceitação? Como iria dizer aos meus pais? E no meu trabalho? Iria poder falar sobre isso?

Muitas perguntas para o simples facto de amar.

Antes de ser minha amante, ela era uma conhecida no meio onde me encontrava. Saíamos em grupo, com amigos comuns e, depois de alguns meses, sem saber como nem porquê, algo dentro de mim mudou. Sentia um fervente calor no meu coração quando olhava para ela, de tal forma que quase perdia os sentidos. Lutei contra esse sentimento, queimava de vergonha e tremia de medo de a encarar. Depois de algum tempo, sem conseguir explicar este tormento decidi agarrar o touro pelos cornos e dizer-lhe o que eu sentia. Foi uma das mais difíceis decisões que alguma vez tomei, mas, não tinha outra opção: dizia-lhe e apanhava uma valente bofetada na cara ou dizia-lhe e ela aceitava bem - afastando-se. Era o que eu estava à espera, mas ao menos eu ficaria sem este peso na minha consciência. A única coisa que eu não estava à espera era que esse sentimento fosse recíproco, e quando lhe disse que precisava de falar com ela, ela agarrou a minha mão e disse: 

- “Eu também!”

Abraçou-me fortemente, sussurrando-me ao meu ouvido:

- "Este abraço é o abraço que faz mais sentido na minha vida!"

Tudo mudou! Os nossos encontros às escondidas quando saíamos com os amigos comuns, os beijos furtivos debaixo das escadas, os risos partilhados das parvoíces que se inventava para estar, nem que fosse por uns segundos, juntas. Os momentos agonizantes do vazio que se sentia quando não estávamos perto, a procura incessante do olhar da outra como ar que se respira, os nossos corpos preenchidos de nós até se consumirem, a embriaguez da pele, a embriaguez do orgasmo...

Quem se cruzava no nosso caminho ou era cego ou percebia a empatia e o amor que nos unia. Aos poucos o nosso círculo de amigos mudou, não que o queremos, mas porque se percebe que existe alguns “amigos” que não estão abertos a essas mudanças como os outros - os que são naturalmente intitulados de imprescindíveis e de confidentes. Ah, e as nossas amigas, essas que sabem ouvir sem julgar e no meio dessas, essa amiga especial que se destaca por tudo, porque ela sabe tudo de nós, essa com quem não se consegue encarar a vida sem a ter dentro dela, essa que chamamos de "A melhor amiga!" A única que consegue aceitar essa notícia - a mais importante da nossa vida.

Telefonei-lhe e marcamos um encontro: - “O que fazes na segunda? Preciso de te dizer algo de muito importante! Podes almoçar? Sim? Fixe! Encontramo-nos à uma, nesse tal restaurante!” 

Ou noutro qualquer não tinha nenhuma importância.

No dia estava super-nervosa! É minha amiga de longa data e minha colega de trabalho também. As suas ideias são muito liberais. De todos é a que aceita melhor a homossexualidade, pelo menos à minha frente quando se debatia isso com os outros colegas. Era e é minha heroína, por isso, precisava de lhe dizer.

No meio do nosso almoço ela perguntou-me o que eu queria. Eu estremeci e gaguejei um pouco, mas não deixei de dizer, com os meus olhos regalados: - “Amo a Cristina! Amo a Cristina e sou a Cristina! Todo o dia vejo-a em todos os reflexos dos espelhos porque não vejo mais ninguém a não ser ela. Ela é valiosa, podia ser o diamante de um anel, a “Cascata do Niágara”, o Escaravelho, o meu sol e amo-a!

A verdade é que a felicidade é algo de contagiante, mas de egoísta também. Sei que para mim pode significar leveza, mas, para alguns, outros, pode ser um peso - uma picada de ciúme. Alguns amigos não entendem a reviravolta na vida dos outros amigos porque estão completos, feitos dos bocados de outros, nesse caso dos bocados da uma outra.

Ela riu-se às gargalhadas e logo me acalmou: - “Estás feliz é o que conta. Tens a certeza que é isso que queres?”

- “Sim, nunca me senti assim, estou ansiosa para estar com ela, estou apaixonada!”

O almoço passou como um almoço qualquer. Achei estranho o facto de ela não aprofundar mais a questão. Perguntas? Nenhuma! Não foi curiosa. Ela sabia quem era a Cristina porque já a tinha visto algumas vezes comigo e falou da sua beleza que eu já não via de tão bela que ela é.

Os meses passaram depois da minha conversa com a minha amiga Perpetua e tive de lhe pedir um favor porque queria que a minha vida mudasse para melhor. Minha vida que agora era nossa vida a mim e à Cristina.

Convidei-a de novo para almoçar e poucos minutos depois disse-lhe que ia pedir para receberem a Cristina no trabalho porque ela tinha um projeto para a empresa. A cara da minha amiga ficou verde, percebi que ela não estava muito satisfeita com isso. Eu continuei dizendo que a Cristina era uma profissional muito valida e que não precisava de mim para ser competente nas tarefas que ela fazia. Aliás, muitas vezes ela me ajudava a acabar trabalhos em atraso.

Acenou com a cabeça e disse com um tom de perplexidade: - “Cuidado com o que vais dizer para a apresentar, sabes como é, as pessoas não aceitam bem a homossexualidade, ainda te prejudicas por causa dela!”

Dela? A minha namorada? A minha outra metade?

É esse o ambiente que muitas vezes se encontra nos locais de trabalho. Eu imagino como seria com alguém que não me é intimo! A minha amiga, a inteligente, a livre, me fez perceber que, se calhar, o trabalho da Cristina podia ficar de lado porque ela era minha namorada e que se calhar se fosse o trabalho de uma namorada de um dos nossos colegas podia passar à frente do dela. Fez questão de assinalar que eu – agora - também era uma lésbica e que esse nome podia ser um peso para mim, no meu local de trabalho, onde os homens são mais valorizados. Fiquei de rastos. Não estava à espera!

Foi um sapo que engoli, mas não deixei de fazer o que eu queria e entreguei o trabalho da Cristina. Não disse nada sobre nós, as pessoas já a veem como uma amiga íntima há muito tempo. Achei que era secundário. Ela foi aceite, pelo seu mérito, e está a trabalhar comigo desde então.

Algo deve mudar e se a invisibilidade é insustentável, deve-se começar por nós.

Não escondemos a nossa relação, a casa que partilhamos, os peixes que afogamos. Mas estamos juntas e livres, melhores do que nunca. Decidimos ser abertamente nós em tudo o que vivemos, e somos guerreiras na tentativa de mudar as mentes dos mais tacanhos. Vamos sair à rua, gritar, viver na esperança de que algum dia o nosso amor seja apenas visto como o amor de dois seres que amam e que são amados.


Audrey Love 2015 (ASC)

 Com o direito à indiferença! (Ilga Portugal)


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